Publicado em: 16 out. 2025 | 18h53 (horário de Brasília, BR)

FMJD suspende 65 atletas e reacende disputa global no Jogo de Damas

A decisão atinge atletas de vários países e aprofunda o impasse entre FMJD e IDF, em meio às sanções impostas à Rússia e à Bielorrússia

Allan Igor x Franklin Santoro em evento de Damas de 64 casas no Brasil. Fonte: Franklin Santoro. 2023.

No dia 15 de agosto, a Fédération Mondiale du Jeu de Dames (FMJD) suspendeu 65 atletas por descumprirem uma decisão do seu Conselho Executivo, deliberada em 16 de setembro de 2024. O protocolo estabelecia que, a partir de 1º de outubro de 2024, atletas e árbitros seriam desqualificados por um ano caso participassem de eventos realizados na Rússia ou na Bielorrússia, ou ainda organizados pela International Draughts Federation (IDF) – responsável pela gestão da Damas de 64 casas.

Os atletas estão suspensos de 11 de agosto de 2025 até 31 de julho de 2026, período no qual ficam impedidos de competir em eventos organizados pela FMJD, de eventos autorizados pela entidade, incluindo campeonatos continentais. Torneios com a participação de atletas suspensos não constarão no banco de dados da Federação, o que significa que seus resultados não serão válidos para cálculos de rating e obtenção de normas.

A lista inclui homens e mulheres, de mais de 15 países, entre eles China, Alemanha, Moldávia, Etiópia, França, Bulgária, Estônia e Geórgia. O Brasil teve um representante suspenso: o Grande Mestre Internacional (GMI) Allan Silva, maior campeão pan-americano, com cinco títulos na categoria absoluta e um na categoria júnior. A punição impedirá Allan Silva de participar de prestigiadas competições de Damas Internacional, como Opens e o Pan-Americano de 2026, que será sediado em Paramaribo, no Suriname.

Diferentemente de alguns países, nos quais se praticam uma modalidade de Damas, no Brasil, culturalmente, praticam-se as Damas de 64 casas, que é a mais popular, e a Damas de 100 casas. Allan Silva é um exemplo de atleta que compete nas duas modalidades. A proibição de participação de competições organizadas pela IDF compromete o desenvolvimento de atletas de alto rendimento que praticam ambas modalidades, e sobretudo, levanta questionamentos sobre a liberdade de escolha.

“Os 65 atletas desqualificados de 20 países são, em sua maioria, atletas de destaque nacional e mundial. A esmagadora maioria deles foi sancionada pela FMJD por participar de competições em outro esporte não cultivado pela FMJD (damas russo/brasileiro – 64)”, afirmou a IDF. “Somos a favor do esporte justo e do desenvolvimento sustentável das damas no mundo, e não a favor de uma guerra entre tipos individuais de damas, jogadores importantes e nosso futuro – jovens atletas!”, reiterou a IDF.

“A proibição dos atletas que praticam as duas modalidades, 64 e 100 casas, representa uma violência simbólica contra a cultura brasileira — e outros países —, que reconhece essas práticas culturais e esportivas em suas diversas instâncias institucionais do Estado, como o Ministério do Esporte, que, por sua vez, reconhece a modalidade como esporte e lazer a partir de sua instituição representativa, a Confederação Brasileira de Damas (CBD)”, afirmou o historiador e professor Dr. Geferson Santana. “É preciso também entender que essas práticas de clara repressão aos atletas brasileiros representam um ataque aos direitos humanos, firmados internacionalmente, impossibilitando que atletas de alto rendimento, como Allan Igor, exerçam seu direito ao trabalho”, reiterou o historiador.

Como a guerra na Ucrânia reacendeu o embate entre a FMJD e a IDF

A IDF foi fundada em 2012 e registrada oficialmente em 2013. Originalmente, era uma Seção 64 da FMJD, ao lado da Seção Checkers (EUA) e as Seções de 100 casas. Em 2015, a FMJD adotou um novo estatuto, empenhando-se exclusivamente na gestão da Damas Internacional. Essa decisão levou a Seção 64 a se desfiliar e atuar de forma independente, dando origem à IDF.

Em 2022, as duas organizações firmaram um acordo de cooperação de longo prazo para dividir as responsabilidades de gestão das Damas de 64 casas e de 100 casas no cenário mundial. No entanto, a FMJD acabou violando cláusulas do Acordo, como a realização do campeonato mundial de Damas Portuguesa, cuja competência seria exclusiva da IDF.

“A FMJD realizou dois campeonatos mundiais de damas portuguesas, violando gravemente o parágrafo 2.1 do Acordo (separação de poderes – a IDF desenvolve damas russas, brasileiras, checkers, portuguesas e outras variedades de damas-64; FMJD – damas-100, damas, damas italianas, checas, turcas e outras)”, destacou a IDF.

Em 2024, a FMJD suspendeu o acordo, alegando que a realização do Campeonato Mundial de Damas de 64 casas pela IDF, entre 5 e 13 de setembro, contrariava as sanções impostas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em fevereiro de 2022, que proibiam a realização de eventos esportivos internacionais na Rússia ou na Bielorrússia, ou que fossem apoiados por uma Federação Internacional ou Comitê Olímpico Nacional (CON). As medidas foram adotadas após o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022.

O episódio levou à decisão do Conselho Executivo da FMJD, publicada em 16 de setembro de 2024, determinando a suspensão de atletas e árbitros que violassem as normas. A entidade justificou a punição individual de atletas com base nas sanções do COI.

Apesar disso, o Comitê Olímpico Internacional tem reiterado que o esporte deve permanecer como espaço de união. “A Organização das Nações Unidas (ONU), por meio de Resoluções da Assembleia Geral, reafirmou repetidamente a autonomia do esporte e a neutralidade do COI. Essas Resoluções são mais do que simbólicas — são um apelo para proteger o espaço sagrado do esporte das divisões do mundo”, afirmou o Comitê Olímpico.

As tensões entre a FMJD e a IDF colocam atletas e árbitros no meio de um embate institucional. A decisão da FMJD pode prejudicar federações nacionais e gerar pressões políticas e midiáticas, como as notas de repúdio emitidas pela IDF e outras organizações. A medida tem sido interpretada por especialistas como excessiva, por punir atletas individualmente em vez de adotar sanções graduais, como advertências prévias.

O conflito reflete uma disputa por hegemonia na gestão mundial do Jogo de Damas. Eticamente, a decisão da FMJD enfraquece o desenvolvimento da modalidade, que já enfrenta desafios históricos para ampliar sua visibilidade e reconhecimento no cenário esportivo internacional. Entre protocolos esportivos e sanções políticas, o Jogo de Damas se vê dividido por decisões que ultrapassam o tabuleiro.

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